sexta-feira, 1 de maio de 2015

50 tons de qualquer cor

Bem antes de explodir a tal mania de livros de colorir para adultos, eu já tinha o meu Jardim Secreto. Foi fuçando no site da Saraiva (tem passatempo melhor?) que eu o encontrei.
Junto do pedido do livro já emendei duas caixas de lápis de cor e uma de giz de cera porque, gente, quanto maior a possibilidade de cores, mais legal se torna o ato de pintar.

E o livro pede isso. São infinidades de folhinhas, pétalas, galhos e bichinhos que precisam de uns, sei lá, 50 tons - não de cinza, pelamordedeus - mas de qualquer outra cor que você queira dar a eles.
Estou na minha terceira ilustração.

Eu demoro. 
Sou perfeccionista na pintura, gosto de escolher cuidadosamente as cores e amo ver a imagem se colorindo aos poucos.

E o título?
Tudo o que é secreto desperta inúmeras sensações. E com um jardim secreto não poderia ser diferente. Conforme você vai pintando, vai descobrindo alguns segredos desse jardim. São chaves, baús, libélulas, gatinhos e outras tantas coisinhas.

Talvez, meu encantamento esteja justamente na graça e na beleza desta metáfora de relações humanas: cada um de nós pode ser um jardim secreto; cabe ao outro, desejoso de nos conhecer melhor, ir desvendando aos poucos nossos segredos, nossos desenhos (desejos?), nossos sonhos.

Não sei dizer se o livro é terapêutico - já li muito isso por aí.
Mas posso afirmar que a vida, pelo menos no papel, fica muito mais colorida. :)

O meu Jardim Secreto

domingo, 14 de dezembro de 2014

Um livro especial

Li muito este ano. Sei que muito é algo bastante relativo, ainda mais quando se trata de leitura. O que quero dizer é que, além do meu trabalho do ano todo que envolveu muita leitura, eu li 30 livros.
Bastante coisa boa. E algumas porcarias.
O que é positivo, quando se coloca na balança.
Não farei aqui uma booklist com as estrelinhas que dei a cada um dos livros lidos. Mesmo porque isso eu já faço para mim mesma.
Mas, quero destacar uma descoberta bem significativa.

Pela primeira vez, li romances em quadrinhos. E me apaixonei.
Um deles, dentre os cinco desse tipo que li, considero o melhor. Porque foi o primeiro. Porque tem uma escrita bem inteligente. Porque as ilustrações são um primor. Porque me abriu algumas portas.

Você é minha mãe?, de Alison Bechdel, é da Quadrinhos na Cia. Comprei sem querer, durante uma ida à locadora (sim, sou do tipo que ainda vai a locadoras. Mesmo que seja para sair de lá com um livro, ao invés de um filme).

A história narra a trajetória da autora (o livro é autobiográfico) na compreensão de si mesma, a partir da relação dela com a mãe. A narrativa é toda feita por um viés psicanalítico, com base nas teorias de Freud, Winnicott e Alice Miller.
A tentativa da personagem de se resgatar através da história dela com sua mãe é tocante. E profundamente sincera.
Em busca de respostas e de outras perspectivas, Alison nos inquieta e nos convida a vasculhar também as nossas próprias histórias. Como filhas e, principalmente, como mães.

Foi o que fiz. O que estou tentando fazer, aliás. Li e reli muita coisa de Freud e Winnicott. Já Alice Miller foi um achado. Nunca tinha ouvido falar dessa psicanalista polonesa que teve sua obra toda dedicada ao estudo de como os maus-tratos às crianças contribuem de forma expressiva a todas as dores do mundo. Ainda estou trilhando o caminho dessas leituras. Quanto mais eu leio, mais percebo o quanto ainda há para eu ler e isso me angustia um pouco. Mas de um jeito bom.

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Em um certo momento, Alison, em busca da aprovação de sua mãe, mostra a ela o rascunho do livro que está escrevendo (o livro que estamos lendo, na verdade). A mãe demora muito para lhe responder e, quando finalmente responde, diz algo do tipo Bem, não foi nada disso. Mas, se esta é sua percepção dos fatos, não posso fazer nada.

E acredito que seja assim mesmo. Nossas relações estarão sempre fundamentadas pelas percepções do outro. Não temos como interferir nisso.
Por mais que tentemos acertar com os filhos, inevitavelmente erramos. E são nossos erros que constituirão de forma mais consistente os sujeitos dessa relação tão rica e complicada entre mãe e filho.
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Meu livro todo cheio de marcações :)



quinta-feira, 6 de março de 2014

Nosso coração de pedra-pomes

   "Sem romance as pessoas se tornam esquecíveis. E o ser humano só não é insuportável numa situação: quando nos apaixonamos por ele”.
Lawanda Escapulária

Nunca fui de grifar livros, colocar post-its ou fazer anotações nas margens. Uma aflição de marcá-los para sempre.
Vivo relendo meus livros e me imaginava olhando uma frase grifada e pensando "por que catzzo marquei isso aqui mesmo?".
Pois bem. Tudo mudou com "Meu coração de pedra-pomes".

Lawanda tem 19 anos, trabalha como faxineira em um hospital (graças ao sistema de cotas para deficientes), coleciona besouros, costura borboletas na calcinha, inventa macumbas e presta serviços clandestinos aos pacientes. É agitada, tem uma sexualidade bastante exacerbada, não tem pudores e, muitas vezes, é bem nojenta.
Através de sua visão de mundo (é Lawanda quem narra a história), conhecemos a personagem e a sua vida que - assim como seu uniforme - é tão sem predicados.

Foram duas tardes de leitura e uma infinidade de marcações e anotações ao longo da história. Não por ela ser profunda. Não é.
Mas é irreverente. E diverte. E faz pensar sim, por que não?
Por exemplo, eu poderia elaborar um estudo comparativo entre Lawanda e Macabéa. Mas não vou porque 1) estou com preguiça, 2) isto não é um ensaio literário e 3) Clarice para mim é sagrada e tenho medo de cometer um ato profano com a comparação.
De qualquer forma, assim como Macabéa (e agora sem medo de afirmar), Lawanda não é uma personagem para ser apenas lida; deve ser sentida.
E eu a senti. Bastante.

Lawanda, a louca de pedra-pomes.

Talvez sua deficiência seja a de pensar demais. Sobre cada detalhe da vida. Sobre como abraçar seus próprios tormentos enquanto esfrega incansavelmente o chão do hospital. Já que não há mistério por trás da sujeira visível.
O mistério. Ele fica ali, escondido na sujidade que se acumula nos cantos mais recônditos (da alma?), livre da vassoura dos outros.
E da nossa própria.
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Meu coração de pedra-pomes. Todo marcado ;)





domingo, 13 de outubro de 2013

O piano e as asas


Duas meninas.
Irmãs.
Uma queria ter asas. A outra queria um piano.
"Promete não voar muito longe quando tiver suas asas?".
"Só voo até onde o som do seu piano alcançar".
Davam os dedinhos: "Promete?". "Prometo!".
E riam.
O piano chegou antes das asas. E ela, todos os dias, sentava-se a sua frente e ensaiava algumas músicas. Enquanto a outra rodopiava em volta. Mesmo sem as asas, já ensaiava seus voos.
Queria a música perfeita e, insistente na perfeição, as mais belas notas flutuavam pela sala.
As duas. Todos os dias. Faziam música. Faziam sonhos.
"Veja como suas asas estão grandes. Você já pode voar".
Virou-se de costas para o espelho e percebeu as asas mais lindas que jamais pudera imaginar.
Abriu um sorriso tão doce e pediu: "Toque para mim!"
Com as mãos trêmulas, sentou-se no banco. Seus dedos finos e compridos alisaram as teclas do piano. Fechou os olhos e tocou.
Perfeita.
Quando parou, viu que não havia mais ninguém por perto.
A danada já tinha voado.
Ela sabia: longe, longe.
Chorou.
A música. Gravada no coração da irmã.
E agora, para sempre, por mais distante que voasse, ainda poderia escutá-la...
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domingo, 29 de setembro de 2013

Paraíso

A placa do carro da frente dizia "SP - Paraíso".
Ficou olhando devagar.
O carro comprido e preto mostrava um brilho lustroso em meio à poeira da estradinha onde estavam parados.
E, enquanto ele ia lento e pesado, jurou ver nas laterais do banco da frente umas peninhas brancas que pendiam das costas do motorista. Quis descer e correr até ele.
Mas o trânsito andou.
Que pena.
O Paraíso esteve logo a sua frente e ela deixou que ele fosse.
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sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Marte

Enquanto as amigas gritavam que iriam sumir no mundo, ela só pensava em sumir do mundo.
Tinha a terrível mania de complicar as coisas e, às vezes, desejava apenas ser o criado-mudo feliz de seu quarto fechado.
Um dia, leu a notícia: "Abertas as inscrições para quem quiser morar no planeta Marte".
Então ela, de fato, poderia sumir do mundo? Dobrou o pedaço de jornal em três partes e o colocou com cuidado embaixo do travesseiro.
Começou a se planejar.
Seria uma viagem sem volta, dizia a notícia.
Ótimo, ela pensou.
A ocupação do novo planeta está prevista para iniciar em 2023, dizia a notícia.
Fez a conta. Ainda estaria relativamente jovem em 2023.
Entrou no site de inscrição. Bastante detalhado, solicitava muitas informações a respeito de biotipo e estado de saúde. Fez o possível para responder de forma verdadeira, apesar de omitir algumas questões e enfatizar outras. "Como em um currículo", disse em voz alta na tentativa de se justificar. Aliás, era assim mesmo que estava encarando a inscrição: iria enviar um currículo para, quem sabe, ser selecionada a realizar o maior sonho de sua vida.
A campainha tocou.
Ela não quis atender.
De repente, as coisas deste mundo lhe pareceram fugazes demais.
Terminou a inscrição satisfeita por achar que preenchia todos os requisitos de uma moradora de Marte. E foi se deitar. Não sem antes dar uma boa encarada em seu criado-mudo e desejar-lhe boa noite.
Em dez anos estaria em outro planeta. Acreditou nisso.
E, até lá, viveria aqui como uma marciana. Assim, tentando desvendar um mundo ao qual, na verdade, nunca pertenceu.
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quinta-feira, 1 de agosto de 2013

O telefonema

Nunca esperou por uma ligação depois da virada do ano. Afinal, quem importava estava junto e, quem estava longe, ou já não estava mais ou achava não importar muito.
O ano estava indo embora e tinha sido especial. Nem tanto pelos acontecimentos, mas pelas pessoas que havia conhecido. Pessoas, não. Pessoa. 
Não era muito boa em conhecer pessoas e estava bem satisfeita por ter conhecido uma.
"Posso ligar pra você depois de meia-noite?", foi a pergunta da amiga.
E, se achava impossível se afeiçoar mais a alguém que há pouco tempo lhe era desconhecida, nesse momento o impossível se fez possível. "Pode!"
Meia-noite.
Beijou o marido, os filhos, agradeceu pelo ano ido e deu boas vindas ao que acabava de chegar.
E o telefone tocou. 
Tão bom quando os combinados são cumpridos!
Recebeu emocionada o desejo de um ano novo feliz.
E desejou como nunca ser feliz. 
Porque a vida, essa que já a havia sacaneado tanto, parecia ter finalmente dado uma trégua.
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